Para a fotógrafa Corinne Dufka, não há foto que valha a vida do correspondente. O filme “Morrer para contar uma história” trata dessa idéia através da perspectiva de Amy Eldon, que dirige o documentário. Amy entrevista brilhantemente fotógrafos de diferentes países enquanto viaja para a Somália em busca de respostas sobre a morte do irmão, Daniel Eldon, fotógrafo da agência Reuters, morto aos 23 anos enquanto cobria a guerra naquele país.
A África era um elemento essencial para a vida de Dan, que cresceu no Quênia ao lado de Amy e da família. A diretora destaca o amor que o irmão sentia pelo continente, o que aumenta a sensibilidade passada ao espectador durante toda a produção. Mesmo sem nenhum tipo de treinamento formal em jornalismo, a paixão pela fotografia e o amor à África, que vivia intensos conflitos militares no início dos anos 90, levaram Dan a se tornar correspondente da Reuters.
Para o fotógrafo Des Wright, algo marcante no trabalho de um correspondente de guerra é a segurança pessoal. A integridade do repórter é a prioridade para esse tipo de cobertura, em meio a um cenário como o da Somália, onde, para Wright, o ódio era espantoso. Para ele, as fotografias transmitiam as imagens, mas o cheiro era o que realmente impressionava em meio a tantas mortes de civis. De fato, por mais realista que seja uma fotografia ou reportagem, a emoção vivida ao presenciar os conflitos supera qualquer cobertura jornalística.
Carlos Mavroleon afirma que a câmera é capaz de manter o fotógrafo levemente isolado da realidade presenciada. Mesmo assim, o pequeno distanciamento não é suficiente para proteger totalmente o correspondente do cenário de guerrra e do sofrimento da população local. A opinião do jornalista reitera o fato de que o correspondente é, acima de tudo, um homem sensível. Mavroleon, morto em 1998, dizia se sentir, não como um ser humano, mas como um urubu durante uma cobertura como a da guerra civil na Somália.
O jornalista inglês Martin Bell, veterano de coberturas de guerra, define a alegria de levar tiros e sair ileso como fonte de satisfação. Para Bell, que já foi ferido durante a guerra na Bósnia, o jornalista também é afetado nos conflitos e o ato de se proteger com coletes, por exemplo, é um sinal de covardia. A afobação também é um defeito perigoso para quem se arrisca nesse tipo de trabalho. A ansiedade, comum aos iniciantes na profissão, também afeta os veteranos diante de situações tão extremas, o que é arriscado.
Mohamed Shaffi, correspondente que presenciou a morte de Dan Eldon, se choca com a crueldade de cinegrafistas, como durante a guerra na Eritréia, por exemplo. Após uma vila ser bombardeada, crianças feridas foram levadas até uma casa onde descansavam no escuro. Shaffi ligou as luzes das câmeras para filmá-las, o que provocou fortes dores nas crianças. A experiência traumatizou Shaffi, que passou a ser mais cuidadoso com as próprias filmagens, uma exigência básica para qualquer correspondente em área de litígio.
No fim do documentário, Amy encontra Shaffi na Somália, onde o jornalista detalha para a diretora as circunstâncias da morte do irmão. Shaffi e Dan foram atacados por uma multidão enfurecida enquanto cobriam uma operação da ONU que deixou 74 civis mortos. Daniel e os jornalistas Hansi Krauss, Anthony Macharia e Hos Mania morreram no local.
O filme mostra a história de um jovem apaixonado pela profissão e pelo povo sofrido da região mais pobre do mundo. “Morrer para contar uma história” exibe o poder de alcance do jornalismo e da fotografia, quando executados com talento, mas também ilustra o estrago causado pelo descontrole de civis expostos à brutalidade. Daniel Eldon foi vítima da insensatez do conflito, risco vivido por todos os correspondentes de guerra. A vida de Dan é um exemplo de comprometimento jornalístico, em falta na profissão, e o massacre dos repórteres mostra a banalização da vida, encontrada em excesso na sociedade.