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terça-feira, 22 de março de 2011

O poste e a cidade de Tereza

Manifestantes foram às ruas de Teresópolis durante a semana passada para exigir a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito e uma Comissão Processante na Câmara de Vereadores do município para investigar denúncias de corrupção na prefeitura. Quase 2 mil pessoas se aglomeraram em frente à Câmara na última terça-feira e, novamente, na quinta-feira. Durante o primeiro protesto, bombas de efeito moral foram atiradas na multidão por policiais da Força Nacional de Segurança, instalada no pátio entre a prefeitura e a casa legislativa desde a tragédia das chuvas em janeiro.
Pedras foram arremessadas contra as vidraças do plenário, o que obrigou o presidente da casa, vereador Arlei (PMDB) a encerrar a sessão. Na quinta-feira, policiais da tropa de choque da Polícia Militar protegeram os vereadores que, mais uma vez, não aprovaram o pedido de CPI. Ainda são necessárias duas assinaturas para que a comissão seja aberta e comecem as investigações contra o prefeito.

Desde o início do governo, em janeiro de 2009, o prefeito de Teresópolis, Jorge Mário Sedlacek (PT), protagoniza uma sucessão de medidas estúpidas e demonstra total falta de habilidade para a administração pública. O médico de 54 anos, eleito por representar uma mudança no rumo político da cidade, desperta a ira dos teresopolitanos que, nos últimos dois anos, só receberam inércia, má vontade e descaso do Palácio Tereza Cristina.
No momento catastrófico vivido por toda a serra fluminense após as chuvas de 12 de janeiro, Jorge Mário se aproveitou da exposição na mídia para se promover durante o estado de emergência, desfilando displicentemente por emissoras nacionais enquanto a população era abandonada à própria sorte. Denúncias apontam irregularidades em diversas ações do governo após a tragédia, inclusive na contratação de empresas para desbloquear estradas. O comportamento do prefeito foi coerente à postura adotada em toda a administração. Desde a posse, Jorge Mário foi envolto em um manto de privilégios, isolamento e suspeitas.

Com poucos meses de mandato, o prefeito, conhecido na cidade pelas dificuldades financeiras que enfrentava, se mudou para o condomínio milionário Vale dos Eucalíptos. Como se não bastasse, o atual endereço de Jorge Mário é o condomínio Península Ibérica, igualmente caro. Os dois condomínios são obviamente luxuosos demais para alguém que vive apenas do vencimento de prefeito.


Além da denúncia de "enriquecimento meteórico", a população de Teresópolis está insatisfeita com praticamente tudo o que foi feito pela prefeitura sob o comando de Jorge Mário Sedlacek. Atrasos nos salários e demissões aleatórias de servidores, extinção da secretaria de Defesa Civil (em uma cidade com histórico em deslizamentos de terra), paralização das obras do hospital municipal, obras inúteis e mal executadas no centro, abandono das vias públicas ao ponto de se tornarem intransitáveis, e, acima de tudo, descaso generalizado com o povo. 
 A lista de críticas ao governo Jorge Mário é imensa. Porém, nada supera a ironia grotesca entre a realidade vivida por Teresópolis e o slogan da prefeitura: "Cuidando bem das pessoas". Nesta terça-feira (22) mais um protesto está marcado para o mesmo horário da sessão plenária da Câmara. Resta aguardar se mais dois vereadores assinarão o pedido de CPI para, posteriormente, cassar o mandato do prefeito, que é o desejo dos teresopolitanos. Os manifestantes escolheram a palavra perfeita para definir o sentimento de todos os moradores de Teresópolis após dois anos de desgoverno: "Chega!". 

Fotos:
Reginaldo da Cunha Gonçalves (G1)

terça-feira, 1 de março de 2011

O fim de um silêncio de quatro décadas

A onda de protestos que se espalha pelo mundo árabe pode ser classificada, minimamente, como tardia. A população de países como Egito, Tunísia, Líbia e Yêmen é oprimida a tempo demais para se rebelar apenas em 2011. Mas é compreensível o temor de um povo governado por ditadores violentos como Muammar Kadhafi, por exemplo, em se voltar contra os governos tiranos.
Em comparação ao caos e a história de dominação política vivida pela Líbia, o que foi visto no Egito não foi grave. Perto de Kadhafi, Hosni Mubarak pode ser chamado de democrata. O desafio da Líbia é muito mais árduo e perigoso do que o de muitos vizinhos da região. A situação no país chegou a um nível alarmante de descontrole, o que deixa o resto do mundo sem saber como agir para ajudar a população local.
A eminência de uma guerra civil e crimes genocidas cometidos durante os protestos reforçam a situação de desgoverno e reiteram a fraqueza da ONU e das grandes potências, que não conseguem intervir. A pouca moral da ONU é consequência da inércia da organização durante a invasão do Iraque pelos Estados Unidos em 2003. A falta de ação das Nações Unidas naquele ano iniciou um histórico de desrespeito à entidade e não haveria porque ser diferente nesse caso.
A postura dos Estados Unidos durante os protestos do Egito foi distinta das ações do país diante da crise na Líbia. No caso de Mubarak, a população egípcia derrubou um aliado americano. Washington se viu calada, sem saber como agir. "Pisar em ovos" foi a estratégia principal da Casa Branca e do Departamento de Estado para lidar com os protestos.
Já a possibilidade, por menor que fosse, de queda do ditador Kadhafi é um presente para o presidente Barack Obama, que "exige" a renúncia imediata do líder líbio. A revolução no mundo árabe, no primeiro caso, destruiu um aliado americano e, no segundo, pode ser responsável pela realização de um sonho dos Estados Unidos: se livrar de Muammar Kadhafi.

O presidente da Líbia ficará apenas nos livros de história se a oposição resistir no controle de cidades importantes e dos poços de petróleo do país. O problema é o que Kadhafi fará enquanto ainda detém poder, mesmo que em declínio. A alternativa para evitar um derramamento de sangue e consolidar a revolução seria um golpe militar temporário. Mas enquanto Kadhafi tiver a lealdade do exército, isso é apenas um ideal.
A espera pelos próximos acontecimentos é pior a cada dia, conforme aumenta a tensão em Tripoli e no interior do país africano. Infelizmente as ações internacionais possíveis são poucas. Sanções e bloqueios já foram implementados e uma ação militar estrangeira não solucionaria o problema. O campo de ação externa é limitado, o que deixa a Líbia à própria sorte.  
 Essa revolução pertence ao povo líbio e pelo povo líbio deve ser conduzida. Mas não se pode esquecer que o exército, ferramenta capaz de encerrar a crise, também é parte do povo. Passou da hora dos militares decidirem a quem servem: a um ditador antiquado e detestado globalmente ou à uma população sedenta por liberdade. Não é um dilema difícil de ser solucionado. Resta saber quando terá fim.
Fotos:
BBC
AFP